Sexta-feira, 17.08.07
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Sexta-feira, 17.08.07
WILFREDO CATÁ
Pseudónimo sob o qual o poeta cubano Luis Rogelio Nogueras publicou em Março de 1969 o poema "Eternoretornógrafo", revelando sua verdadeira autoria apenas em 1981, quando da publicação do seu livro Imitación de la vida, em Havana.
Este belíssimo poema vem uma vez mais, e originalmente, tocar no problema (?) das influências sofridas pelo(s) escritor(es). Já se disse que há poesia ultrapassada com duzentos anos e poesia actual com dois mil, e o que Luis Rogelo Nogueras parece querer afirmar neste seu poema-pião-do-tempo, é que nenhum escritor pode por de lado, no acto da escrita, a sua (nossa) herança cultural.
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Eternoretornógrafo
O jovem poeta murmurou fechando o livro
de Apollinaire:
"Este sim, é um poeta..."
E Apollinaire, o soldado polaco Wilhelm
Apollinaris de Kostrowitzky,
enterrado até à cintura na trincheira
perto de Lyon,
olhando a noite estrelada de 4 de agosto
de 1914
a terra ressequida, florescida de estacas e arame
farpado,
semeada de minas essa noite de 1914,
olhando as bengalas azuis, vermelhas e verdes no
céu envenenado pelos gases,
apertou o húmido livrito de Rimbaud enquanto
sobre a sua cabeça silvavam os obuses.
E Rimbaud, fazendo as suas malas em Charlesville,
juntou à sua roupa os versos de Villón.
E Villón, o doze vezes condenado, o apócrifo,
o inédito, pensou diante do patíbulo nas três
coisas que mais havia amado: sua mulher Christine,
a sua própria lenda e
a vaga recordação de uns versos que falavam
da noite de 711 em que Taric se apoderou
de Gibraltar.
E o sombrio poeta árabe que escreveu aqueles
versos na calorosa noite de 711 apoiando-se
na cimitarra
imitava os versos que seu avô lhe costumava ler
na longínqua Argel;
e o avô de Argel havia lido Imru-Ui-Qais,
aquele que Maomé considerava o primeiro grande
poeta árabe: tinha-o lido numa interminável
jornada pelo deserto do Sahara (mais húmido
agora do que então)
na lenta marcha dos camelo e nas tendas
acesas.
E é provável que Imru-Ui-Qais tivesse escrito
na língua de Allah imitações de Horácio.
E Horácio admirava Virgílio,
e Virgílio aprendeu com Homero,
e Homero, o cego, repetia nos seus versos os
estranhos poemas que sussurravam ao ouvido
os amantes nas estreitas ruas de Babilónia
e Susa,
e em Babilónia e Susa
os poetas imitavam os versos dos hititas de Bog
Haz Keni e da capital egípcia de Tell El
Amarna,
e os poetas de 4000 a.C.
imitavam os poetas de 5000 a.C..
Até que o Homem de Pequim, na húmida caverna
de Chou-Tien
vendo arder lentamente sobre as brasas a anca
de um veado,
grunhiu os versos que lhe ditava do futuro
um jovem poeta que murmurava fechando um livro
de Apollinaire.
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Os Herdeiros do Vento - Antologia Apócrifa
Joaquim Pessoa
ASENSIO
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