Quarta-feira, 07.11.07
Apodrecida profusão, metamorfose:
a terra é um velho leque, a abrir e a desfazer-se...
Dentro de cada peito, a máquina da tosse
aos arremessos mina os frágeis alicerces.
Já começa a ruir o edifício que sou
- hotel, casa de jogo, hospício, biblioteca...
Alheio, bebo e jogo; alheio, leio e sofro.
E o vento me arrebata as fichas - folhas secas!
Ó jogo de viver! Jogo o vício do jogo.
Na roleta do Tempo, o vício é que eu aposto!
A esfera gira e cai sobre o número do Outono:
do gosto de jogar aos poucos me despojo...
Laços, anéis e nós - como se vão soltando!
Deslaçam-se na bruma os próprios nós dos dedos.
E é sem ossos nas mãos, ai de nós!, e sem sangue,
que vamos modelando a inalem do Segredo
- a que fica de nós, indízivel e densa,
além da nossa morte, informe, diluída
em Novembro e Dezembro e na tinta cinzenta
com que escrevem os dois torpor, melancolia.
________________________
David Mourão-Ferreira
Os Quatro Cantos do Tempo
ASENSIO
Autoria e outros dados (tags, etc)